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Pseudoporfiria induzida pela diálise tratada com N-acetilcisteína oral

Resumos

Pseudoporfiria é dermatose bolhosa rara, semelhante clínica e histopatologicamente à porfiria cutânea tardia. Acomete, principalmente, pacientes renais crônicos em diálise peritoneal ou hemodiálise. Medicamentos também podem ser envolvidos na etiologia. O diagnóstico e o manejo desta entidade é um desafio para os dermatologistas. Os autores demonstram um caso de pseudoporfiria, relacionada à diálise, com evolução favorável após o uso de N-acetilcisteína oral.

Acetilcisteína; Diálise; Diálise renal; Porfirias


Pseudoporphyria is a rare bullous dermatosis that clinically and histopathologically is similar to porphyria cutanea tarda. It mainly affects patients with chronic renal failure on peritoneal dialysis or hemodialysis. Medications can also be involved in the etiology. Diagnosis and management of this condition is a challenge for dermatologists. The authors report a case of pseudoporphyria related to dialysis with favorable outcome after the use of oral N-acetylcysteine.

Acetylcysteine; Dialysis; Porphyrias; Renal dialysis


COMUNICAÇÃO

Pseudoporfiria induzida pela diálise tratada com N-acetilcisteína oral* * Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade Paulista "Julio de Mesquita Filho" (UNESP) - Botucatu (SP), Brasil.

Marcelo Massaki GuiotokuI; Fabíola de Paula PereiraI; Hélio Amante MiotII; Mariângela Esther Alencar MarquesIII

IMédico (a) Residente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade Paulista "Julio de Mesquita Filho" (UNESP) - Botucatu (SP), Brasil

IIProfessor Assistente Doutor do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade Paulista "Julio de Mesquita Filho" (UNESP) - Botucatu (SP), Brasil

IIIProfessora adjunta do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Paulista "Julio de Mesquita Filho" (UNESP) - Botucatu (SP), Brasil.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Hélio Amante Miot Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Unesp, S/N Campus Universitário de Rubião Jr 18618-000 - Botucatu SP - Brasil E-mail: heliomiot@fmb.unesp.br Tel./Fax.: 14 3882 4922

RESUMO

Pseudoporfiria é dermatose bolhosa rara, semelhante clínica e histopatologicamente à porfiria cutânea tardia. Acomete, principalmente, pacientes renais crônicos em diálise peritoneal ou hemodiálise. Medicamentos também podem ser envolvidos na etiologia. O diagnóstico e o manejo desta entidade é um desafio para os dermatologistas. Os autores demonstram um caso de pseudoporfiria, relacionada à diálise, com evolução favorável após o uso de N-acetilcisteína oral.

Palavras-chave: Acetilcisteína; Diálise; Diálise renal; Porfirias

Pseudoporfiria (PP) é dermatose vesicobolhosa, causada por fototoxicidade, que acomete pacientes renais crônicos em terapia de substituição renal (diálise peritoneal ou hemodiálise) cuja clínica e alterações histopatológicas são semelhantes à porfiria cutânea tarda (hepática crônica). Outras condições como: drogas, câmaras de bronzeamento e PUVA também foram implicadas na etiologia da PP (Quadro1). Exceto pela suspensão dos agentes causais e fotoproteção, não há tratamento baseado em evidência disponível até o momento, havendo relatos de controle clínico após o uso de N-acetilcisteína oral.1-5


Apresentamos uma paciente feminina, 32 anos de idade, há cinco anos, portadora da síndrome de Goodpasture, evoluindo para insuficiência renal crônica (anúria) e terapia de substituição renal (diálise peritoneal) e inscrita na fila de transplante. Há um ano, apresenta bolhas de conteúdo hialino, recorrentes nos dorsos das mãos e nos pés. As lesões eram indolores, não pruriginosas e evoluíram com rotura e hiperpigmentação cicatricial (Figura 1A e 1B). Em outras regiões do corpo, não apresentava lesões, hipertricose, hiperpigmentação ou milia. Negava uso de álcool e exposição intensa ao sol. Medicamentos em uso: captopril, atorvastatina, prednisona, eritropoetina, domperidona, ácido fólico, sevelamer, carbonato de cálcio e acetato de cálcio. O exame histopatológico demonstrou: vesícula subepidérmica com papilas dérmicas festonadas e discreto infiltrado linfocitário perivascular superficial, com depósito de material hialino na parede dos vasos (Figura 1C). O exame de imunofluorescência direta foi normal. Hemograma evidenciava anemia normocítica normocrômica (Hb: 11,5g/dl, VCM: 91,5 Ìmm3), ferritina de 1421ng/ml, creatinina de 9,4mg/dl, ureia de 101mg/dl; a bioquímica hepática e a glicemia eram normais. Os níveis séricos de porfirinas eram 1,4Ìg/g Hb (VR<20).


O diagnóstico de PP secundária a diálise foi estabelecido e iniciou-se tratamento com Nacetilcisteína 600mg/d. A paciente apresentou boa evolução do quadro dermatológico, desaparecendo as lesões, após 20 dias de uso da medicação. Após um mês da introdução do medicamento, apresentou peritonite bacteriana e se manteve em hemodiálise por três meses. Durante essa intercorrência, as bolhas reapareceram nas mãos e nos pés, mesmo em vigência da medicação.

A PP apresenta semelhança clínicohistopatológica da porfiria cutânea tardia, porém, pode ser distinguida pela normalidade dos níveis séricos, urinários e nas fezes de porfirinas.1,6-9 Ambas podem estar presentes nos pacientes renais crônicos. Esta entidade acomete até 13% pacientes, com insuficiência renal crônica em uso de hemodiálise.1,6,9 Na literatura, alguns medicamentos descritos podem desencadear a PP como anti-inflamatórios não esteroides, antibióticos e eritropoetina. A exposição solar excessiva e a radiação a UVA em câmaras de bronzeamento artificial podem também induzir as lesões (Quadro 1).1

Não se conhece o exato mecanismo fisiopatológico da PP. A formação de metabólitos fototóxicos, em indivíduos geneticamente predispostos, podem ser os responsáveis pelo desencadeamento das lesões bolhosas. Radicais livres de oxigênio também foram incriminados, na gênese, em pacientes em hemodiálise.2-4 Na PP secundária a medicamentos, a suspensão dos mesmos leva à remissão do quadro cutâneo.1 O tratamento baseia-se em evitar a exposição solar, esteroides tópicos e evitar possíveis medicamentos envolvidos. Relatos de casos com uso prolongado de N-acetilcisteína nesses pacientes -, em vigência de hemodiálise, têm demonstrado sucesso.2-6 A suspensão do mesmo leva à recorrência das lesões bolhosas. Pacientes em hemodiálise e diálise peritoneal estão sob risco elevado de estresse oxidativo por causa da deficiência de glutationa, no sangue e nos eritrócitos. A Nacetilcisteína é precursor da glutationa que apresenta propriedades antioxidantes e pode reduzir os níveis séricos de creatinina. N-acetilcisteína é também empregada na terapêutica profilática de nefropatia por contraste, por prevenir o aumento do estresse oxidativo após infusão de contraste.1,6,10

Apresenta-se um caso de PP secundária a diálise, com boa resposta ao uso de N-acetilcisteína oral. A paciente manteve o uso da eritropoetina e apresentou melhora das lesões, sugerindo que o quadro não fosse medicamentoso. Por outro lado, após início do quadro infeccioso, as lesões recorreram mesmo na vigência do tratamento, o que alude que ao quadro por ser decorrente do novo estresse oxidativo e da troca da diálise peritoneal para a hemodiálise. Os casos já descritos com sucesso, não apresentaram nenhuma intercorrência clínica que pudesse aumentar o estresse oxidativo. Salienta-se a necessidade de mais estudos do uso deste medicamento para compreensão da fisiopatogenia da PP para melhorar a qualidade de vida desses pacientes, já que poucos têm o privilégio de se submeter ao transplante renal.

Recebido em 03.07.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 31.07.09.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

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  • Endereço para correspondência:
    Hélio Amante Miot
    Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Unesp, S/N
    Campus Universitário de Rubião Jr
    18618-000 - Botucatu SP - Brasil
    E-mail:
    Tel./Fax.: 14 3882 4922
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    Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade Paulista "Julio de Mesquita Filho" (UNESP) - Botucatu (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      03 Jul 2009
    • Aceito
      31 Jul 2009
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